Regressando aos temas da actualidade, um dos incontornáveis é o da pedofilia. A Igreja Católica, a este propósito, tem sido atacada por muitos lados, mas convém dizer claramente que, igualmente muitas vezes, de forma injusta. O problema que se coloca à Igreja não é o dos casos de padres pedófilos, da mesma forma que o problema que se coloca à política não é o dos políticos corruptos. Tanto a uma como a outra, as questões maiores que enfrentam são a do encobrimento e da impunidade.
Não é fácil conceber como um Estado de direito democrático pode, de forma aceitável, erradicar o crime - assuma ele a forma de pedofilia, tráfico de droga, homicídio, ou outra qualquer. Evidentemente, o sofrimento de uma só criança que seja é intolerável. Na ausência de informação que corrobore a ideia (com quase toda a probabilidade, errada) de que o celibato contribui de alguma forma para a pedofilia, importa compreender que esta última surge essencialmente ligada à figura da autoridade. Quer seja no meio familiar, quer seja em meios de socialização secundária, como escolas, orfanatos ou grupos religiosos, o que está em causa é a relação que se constitui entre os abusadores e as suas vítimas, uma relação de poder em que os primeiros o exercem quase na exclusividade. Podemos, eventualmente, discutir os méritos e deméritos deste tipo de relação para a formação da personalidade de uma criança. Mas isso, no âmbito do tema dos escândalos de pedofilia que têm visto a luz do dia, é iludir o principal. O que deve, em primeiro lugar, merecer atenção não é como foi isto acontecer, mas como foi possível conservar o silêncio tanto tempo.
Como foi possível encobrir e proteger crimes desta natureza? Como foi possível que ninguém tivesse sido responsabilizado judicialmente? Discutir a existência de uma crime numa sociedade livre é, muitas vezes, discutir o sexo dos anjos. O que se espera de uma democracia é o debate permanente e sem preconceitos dos seus processos de responsabilidade e responsabilização individual.