quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Eclipse

As políticas de austeridade propostas pelos paladinos do liberalismo não trarão outra coisa que não um efeito recessivo na economia. Este facto é uma evidência tão forte que não era necessário ver a Irlanda entrar em espiral descendente para o perceber. Mas existem dois aspectos importantíssimos e menos falados que são os efeitos sociais e políticos do liberalismo económico e financeiro.

Quando se facilitam os despedimentos, quando os salários baixos não permitem um nível de vida satisfatório e impedem que os assalariados participem da criação de riqueza na economia, transformando a mobilidade social e económica numa miragem, não se pode esperar um compromisso forte das massas com os projectos políticos. Nestas situações, quando não se tem nada a ganhar e pouco se tem a perder, as fontes de ignição aproximam-se perigosamente do barril de pólvora. Os adeptos do liberalismo económico e financeiro não contam com nada disto. Ou contam, mas optam por resolver estes problemas construindo mais prisões e agravando as penas previstas na lei.

Este liberalismo, tomado por aquilo que nos querem vender, subordina as pessoas aos números, o social e o político ao económico, o económico ao financeiro e a realidade à doutrina. Não garante estabilidade, não garante crescimento e não garante redistribuição da riqueza. Encerra em si os fundamentos para eclipsar em poucos meses o que precisou de 100 anos e duas guerras mundiais para poder ser construído.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

Será que o povo português se vai realmente revoltar? Já nos vi continuar passivos perante bem pior...

Regressei recentemente do Norte de Portugal, onde alguns "paladinos do liberalismo" me contaram outros lados da história: desempregados que vão descaradamente às empresas não para arranjar emprego mas para terem um comprovativo de que foram lá e os consideraram inadequados para o trabalho - e só três meses antes do fim do período em que têm direito a subsídio de desemprego é que se preocupam realmente em arranjar um emprego; empresários que não encontram pessoas com a formação adequada para a sua empresa; a impossibilidade de obrigar os ricos a pagar impostos, porque há off-shores e todos os outros truques; a revolta perante um discurso bem intencionado que protege os que abusam do sistema de segurança social e diaboliza os empresários.
Há tempos foi noticiado que 5 milhões de portugueses vivem do Estado. Li posts revoltados pelo modo como a questão é formulada - e podemos concordar sobre isso. Mas se é mesmo verdade que é dos cofres do Estado que vivem 5 milhões de portugueses (seja salários para trabalhos imprescindíveis, seja subsídios perfeitamente admíssiveis, seja a restituição de algo pago previamente, como reforma ou subsídio de desemprego) a questão de fundo permanece: onde é que o Estado vai buscar o dinheiro para pagar tudo isto?

Por outro lado, a questão da redistribuição da riqueza tem muito que se lhe diga. Como é que a riqueza é criada? Como é que Portugal cria riqueza? Há riqueza para redistribuir?

Parece-me que estamos a chegar a um ponto de mudança de matriz. O sistema de Estado Social que se afirmou no séc.XX funcionou enquanto havia pleno emprego, crescimento e uma certa moral que levava as pessoas a trabalhar. Agora já há famílias que vão na terceira geração de dependentes da Segurança Social, e pessoas a quem nem passa pela cabeça que haja alguma vantagem em trabalhar. Um efeito perverso de uma boa ideia, que tem de ser resolvido. Mas se alguém se lembra de pôr estas pessoas a trabalhar, nem que seja a limpar muros e caminhos, vem um chorrilho de protestos por causa dos direitos e da dignidade humana.
Por outro lado, as novas economias emergentes representam uma concorrência séria ao nosso modelo. Como é que a Europa vai criar riqueza? Como é que vai criar o suficiente para redistribuir de forma adequada? (tanto mais que se está longe de uma situação de crescimento e pleno emprego, e que a esperança de vida - e portanto as despesas das pensões - aumenta à custa de despesas brutais no SNS, etc.)

Mais um pequeno exemplo: para tentar evitar a crise económica, o governo alemão deu um prémio especial a quem trocasse o seu carro com mais de 9 anos por um carro novo. Dois ou três mil euros, não sei bem. As pessoas compraram carros asiáticos, mais baratos. Os contribuintes alemães estiveram a pagar para ajudar as economias japonesa e coreana...

Viste o texto recente da Manuela Silva no "Areia dos dias"? Parece-me que antes desta discussão entre liberais e defensores da estabilidade social temos de encontrar uma direcção para o desenvolvimento de Portugal.
De momento, o que andamos a fazer é navegação à vista da costa, sem mapa nem saber.