segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Democracia de segunda

Recorrendo aos lugares comuns, a solução portuguesa passa quase sempre menos por resolver os problemas do que por contorná-los. Resolver eventuais problemas de fiabilidade nas votações dos emigrantes tornado mais difícil a participação eleitoral não resolve nada. Pelo contrário, apenas afasta os emigrantes dos seus representantes e do próprio país. Minar a participação cívica e política nos dias que correm é das piores ideias que pode ocorrer a um político sério. Numa época de desconfiança e afastamento entre eleitos e eleitores, contribuir activamente para a diminuição da participação eleitoral não é um tiro no pé. É, antes, estar a fazer pontaria a órgãos vitais.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O silêncio a favor da demagogia

O PSD de Setúbal decidiu investir numa campanha de outdoors à qual não falta nenhum dos pergaminhos da pior demagogia política. Nestes momentos, o silêncio de Ferreira Leite, pensarão os estrategas sociais-democratas, cai como uma luva. O silêncio em política tem esta extraordinária capacidade de camuflagem. Ao escolher não comentar, o actor político permite que a sua putativa opinião possa ser interpretada à medida das conveniências de cada um. Tanto pode ser de apoio como de recriminação, bastando que se lhe imprima o spin certo para as audiências certas. O silêncio, camuflando intenções e compromissos, não só esconde a opinião, mas, muito mais importante, impede a responsabilização. A política sem opiniões, sem compromissos e sem responsabilização deixa de proporcionar a possibilidade de controlo e acesso à informação a que os eleitores têm direito. A estratégia do silêncio é uma estratégia de vistas curtas, oportunista e desprestigiante. Quem não percebe o mal que esta opção faz ao exercício da democracia provavelmente não percebe o próprio exercício da democracia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Negro

Agora que penso nisso, o novo acelerador de partículas nunca poderá destruir o mundo. Um buraco negro manufacturado que nos engolisse a todos não é ciência; é poesia.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Sobreviver

David Hume terá dito que, para si, pensar que não exista nada depois da morte não o afligia mais do que pensar que não exista nada antes do nascimento. Falava, obviamente, da experiência da própria morte. O problema da morte, para quem partilha da aparente serenidade que Hume demonstrava, não se prende tanto com a ausência de si mesmo no mundo, mas antes com a ausência daquilo que se ama. O problema da morte é sempre o problema da morte dos outros. Ou, dito de outra forma, ainda menos encorajadora, o da própria sobrevivência.

A guerra contra o terrorismo

Após o 11 de Setembro erigiu-se o paradigma da guerra contra o terrorismo. A escolha da expressão não foi inocente. A guerra é um estado de excepção. Por isso se disse que o mundo estava diferente depois do ataque ao WTC. Mas, nos seus fundamentos, o mundo manteve-se igual. Houve, evidentemente, uma alteração de escala, traduzida nas dimensões humanas, materiais e mediáticas do atentado. Mas as ameaças mantiveram-se iguais na sua natureza. O terrorismo, o fundamentalismo e a ameaça nuclear e biológica, por um lado, e o direito à integridade física e psicológica e à procura de justiça, por outro, não nasceram em 2001.

Os caminhos bons e os caminhos maus que trouxeram a humanidade até aos dias de hoje mantiveram-se iguais a si mesmos. Não se verificou uma alteração dos fundamentos da ética, da justiça e das relações humanas. Não se inverteram os pólos do certo e do errado,
O terrorismo continuou a ser terrorismo, a morte continuou a ser morte, a tortura continuou a ser tortura e a guerra continuou a ser a guerra.

O paradigma da guerra contra o terrorismo, ao remeter para o estado de excepção, permitiu um posicionamento ideológico que sancionou todo o género de excessos. Sob o seu manto surgiram guerras preventivas, abusos sobre os direitos humanos, abusos sobre o estado de direito e despesas absurdas para satisfazer as necessidades de destruição e reconstrução de todo este processo. O poder viu o seu espectro de acção ser consideravelmente alargado. E se o poder tende a corromper, a natureza dessa corrupção, como se viu, tanto é material como moral.

A guerra ao terrorismo não serviu sequer os seus intentos e muito menos serviu os propósitos daquilo que gostamos de considerar as grandes conquistas da civilização humana – a democracia, a liberdade e o respeito pelos direitos humanos. Neste dia, isto é tão verdadeiro como se sabia ser há oito anos atrás. Utilizar as críticas ao paradigma da guerra ao terrorismo como forma de menorizar a solidariedade com as vítimas desse atentado é apenas um subterfúgio cobarde para desviar as atenções do falhanço miserável em transformar esse terrível momento numa oportunidade para a civilização se elevar a um nível que se sentia ser perfeitamente possível.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Areia para os olhos

O presidente do Conselho Nacional do CDS-PP criticou o comportamento de Paulo Portas e Nobre Guedes em relação à demissão deste último. Segundo a notícia do Público, pediu “mais formalismo” e avisou que “a amizade não se deve sobrepor às regras de funcionamento partidário”. E para frisar bem a elevação do nível de exigência dentro do partido, propôs um texto de apoio a Portas que os conselheiros se apressaram a aprovar com apenas quatro abstenções e nenhum voto contra. Os dirigentes do CDS-PP chegaram a um ponto em que já não são capazes de atirar areia para os olhos de ninguém, a não ser deles mesmos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

WALL.E

E depois, nunca percebi bem porquê, o Babel é que estava recheado de anti-americanismo primário.
Dito isto, vale cada cêntimo do preço do bilhete, com os bónus da divertida curta que o antecede e da extraordinária síntese de História da Arte dos créditos finais.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Erros de avaliação

Uma candidata a vice-presidente que segure bem a base eleitoral conservadora, evangélica e rural dos republicanos permite que McCain possa ir atrás dos votos independentes e dos democratas de Reagan com outro à-vontade. Em 2004, os democratas nunca conseguiram perceber que perderam a eleição na luta ideológica. O eleitor americano não votou Bush por falta de informação ou por falta de discernimento. Votou nos valores e nas estratégias que lhe eram mais caras e num grupo de pessoas que, goste-se ou não, já tinha demonstrado ser capaz de cumprir o seu propósito político. Sarah Palin não alarga o espectro de potenciais votantes no partido republicano, mas promete segurar votos fundamentais. Se a campanha dos democratas não der o devido valor ao que Sarah Palin representa, pode ter à sua espera o mesmo desfecho de há quatro anos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Coisas que interessam

Um post muito interessante da Palmira Silva sobre Sarah Palin. Ao lado do acessório e tocando apenas no que realmente é importante.

A ralé (2)

A das redacções. A que dá a madeira e os pregos com uma mão para poder escrever com a outra o relato da crucificação. A que condena os erros alheios e nunca reconhece os seus. A que debita moralismos pelos quais nunca se guia. A que se cala perante a canalhice que se prepara na mesa ao lado.

A ralé

Para alguma gente, continua a ser importante realçar que a atribuição de uma indemnização a Paulo Pedroso não esclarece a sua culpabilidade ou inocência no processo Casa Pia. Entre essa gente, podemos seguramente encontrar agentes dos sistema de justiça, educativo e político. Gente, porventura, com responsabilidades. Gente que se move em círculos restritos, especializados, mesmo de elite. O que toda esta gente tem em comum entre si e com o anónimo que comenta no balcão do café do bairro é a desconfiança orgânica perene. Ninguém entre eles valoriza a liberdade e a presunção de inocência. Até prova em contrário, somos todos presumíveis culpados e potenciais ameaças. Os políticos são todos corruptos, os árbitros são todos vendidos, a justiça é toda interesseira, a educação é toda uma lástima. Esta não é a atitude de uma consciência esclarecida, humanista, democrática. Esta é a atitude da ralé. A ralé não é uma classe ou um estrato social, não é de direita nem de esquerda, mas antes uma forma de estar na sociedade que desconfia de tudo e de todos e que será sempre a primeira, como antes, a abraçar os abusos, a perda de direitos e de garantias. A ralé, indiscutivelmente, é uma das maiores ameaças para a democracia de que tanto se queixa.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Ó chumos, eu agora estou aqui e isto é só convosco, vinde cá!

Besugo, hás-de compreender, se dependesse de mim, preferiria nunca te apanhar pela frente num hospital. Mas, como estas coisas não dependem de vontades, tendo de te apanhar pela frente num hospital, não quereria apanhar outro médico. Acho que isto se percebe e, se não se perceber, acho que pelo menos tu percebes bem. Dir-te-ia “não me mintas, não me escondas nada e não escrevas sobre mim”. E talvez pudéssemos falar de futebol para enganar os entretantos. Tu queixavas-te do meio campo do Sporting e eu dizia-te para levares o do Benfica, a ver se passavas os fins-de-semana mais contente. É o passavas...
Não é rendoso, mas é pessoal. Não fica mais pessoal do que isto. Não fica. Agora tira as mãos do Record e vai escrever qualquer coisa, que não dizes nada desde dia 27.

É bom que se distinga

Depois de Paulo Pedroso ter ganho o seu processo contra o Estado Português, um dos advogados das vítimas, Miguel Matias, vem lembrar que “É bom que se distinga que este processo contra o Estado ganho agora não tem rigorosamente nada a ver sobre a apreciação de culpa ou inocência de Paulo Pedroso relativamente aos factos que os meus clientes lhe imputam». Efectivamente, é bom que se distinga isso. No que diz, de forma directa, respeito à culpa ou inocência do ex-ministro e deputado, decidiu a juíza Ana Teixeira Pinto não haver motivo para o levar a julgamento. A menos que Miguel Matias reivindique uma inversão do ónus da prova e da presunção de inocência, é bom que se distinga que esse caso ficou arrumado nesse momento. A justiça, tal como é pensada por alguns dos seus agentes, pode ser uma coisa assustadora.

Formas de estar

Uma curiosa forma de estar, esta, de Paulo Portas, que não considerou importante, durante quase um ano, que os militantes, os eleitores e o país tivessem conhecimento de que o CDS-PP está sem vice-presidentes.