quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pessoas, plantas, animais e coisas

Compreende-se que uma pessoa que construiu para si um determinado significado do casamento tenha dificuldades em aceitar que se ponha isso em causa. Compreende-se, mas não é procedente. O casamento, destituído dos seus significados simbólicos, que devem ficar com cada um, deve ser, sobretudo, uma união administrativa e económica. Se se pretende que o casamento consagre um enquadramento legal que beneficie a constituição de família numa óptica de progenitura, por muito que se lamente, não passa, então, de um conceito ultrapassado e que deve ser abandonado. O casamento deve ser uma forma legal de duas pessoas dizerem que querem partilhar uma vida e uma economia familiar. Não é um papel, que agora nem sequer se assina, que confere estabilidade a uma relação para a manter de pé ou para gerar filhos num ambiente favorável.

A protecção à família não se faz com papéis. Faz-se com medidas concretas, como taxas de IRS mais baixas para casais e ainda mais baixas para casais com filhos; faz-se com uma rede de creches e infantários com cobertura nacional e para a qual não seja preciso inscrever as crianças com um ano de antecedência; faz-se com horários de trabalho mais flexíveis para pais e mães; faz-se com uma licença parental partilhada discricionariamente pelos pais (para acabar com a discriminação laboral das mulheres pelos meses que vão passar em casa); faz-se construindo ginásios e centros de actividades extra-curriculares nas escolas públicas (para que os pais deixem de andar a fazer sprints pelo trânsito das cidades de casa para a escola e da escola para a piscina e da piscina para a equitação e da equitação para a aula de música). Faz-se com medidas concretas que têm efeitos práticos na vida das pessoas e não se limitam a ser um manifesto de boas intenções.

Aceita-se que o casamento integre uma dimensão afectiva e reconheça um contrato de fidelidade mútua, tal como acontece actualmente, embora também não deva repugnar que isso pudessem ser adendas ao contrato celebrado, do mesmo modo que o regime de comunhão de bens é decisão dos nubentes. Duas pessoas podem considerar que a fidelidade conjugal não é um factor de peso na sua relação e não parece que não devam casar-se por causa disso. A forma como cada casal decide viver a sua intimidade não deve ser objecto de interferência do Estado, a menos que estes assim o desejem, e o expressem manifestamente, integrando-o no contrato celebrado. Deve ser esse o papel desempenhado pelo Estado na instituição do casamento: reconhecer publicamente uma forma de relação, funcionando como instância de apelo em caso de quebra do acordado.

Para fim de argumentação, a estabilidade familiar, uma noção tão cara aos sectores mais conservadores da sociedade, não se garante pela heterossexualidade dos membros do casal, mas pela opção de vida que estes tomam. Não se definem direitos, ou ausência deles, em função da suposta pertença a um determinado grupo. A unidade relevante perante a lei deve ser sempre o indivíduo e não se lhe podem definir atributos a priori, independentemente da relação concreta com a realidade de vida dessa mesma pessoa. Se duas pessoas - um homem e uma mulher, dois homens, ou duas mulheres - querem assumir os compromissos que o casamento confere e aceder aos direitos que consagra, não se percebe como a orientação sexual deva ser um entrave. Quanto às plantas, aos animais e às coisa, segundo consta, ainda não são sujeitos passíveis de IRS e, uns mais que outros, denotam alguma dificuldade em manifestar o seu consentimento em relação aos contratos a celebrar, pelo que podemos, para já, deixá-los de lado nesta equação.

Adenda: Este post nasceu inspirado por esta troca de comentários.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Recomendação

Já recomendados pela Helena, três posts excelentes da Rita Dantas (1, 2, 3).

Um mau profissional

Como seria de esperar, a direita estrebuchou com a saída de José Manuel Fernandes do Público. Caiu-lhe mal uma declaração de intenções, em forma de editorial, a constatar o óbvio: que o Público se afastou demasiado do jornal de referência que já foi e que é necessário arrepiar caminho se pretende voltar a sê-lo.

Durante a direcção de JMF, o Público perdeu leitores, perdeu colaboradores, perdeu o rigor, perdeu qualidade, perdeu credibilidade e perdeu a vergonha. Dizer que, para os que celebram a saída de JMF, o problema era o seu alinhamento político à direita é um equívoco, ou uma falácia. O problema de JMF, como qualquer pessoa provida de equilíbrio e bom senso atestará, foi o hipotecar um património jornalístico rico e reconhecido em troca de um projecto político (mal) encapotado. O problema de JMF nunca foram os editoriais que escreveu, mas a cultura de subalternização dos princípios deontológicos e éticos do jornalismo em função dos seus interesses ideológicos que implementou.

Para além de tudo o que de mau aconteceu ao Público sob a batuta de JMF, convém relembrar, por exemplo, que, com ele, este foi um jornal onde saber escrever não era um requisito para chegar a editor e onde a fabricação de contextos falsos para encobrir fontes não suscitou quaisquer pudores.

Ninguém aponta o dedo a JMF por ser de direita. Aponta-se-lhe o dedo por ser mau profissional. Somente.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Mudar de ares

O primeiro editorial da nova era do Público não hesita em, descaradamente, terminar com uma dose muito generosa de graxa aos seus leitores. Faz bem. Os leitores do Público foram tomados por parvos demasiadas vezes nos últimos tempos. Sabe-lhes bem a mudança.