quarta-feira, 26 de março de 2008

IVA (2)

Num registo mais sério, o que a descida do IVA representa é o início da campanha não oficial para as próximas legislativas.

IVA

A descida do IVA de 21% para 20% só se pode explicar se, com a proliferação de trabalho precário, alguém no Ministério das Finanças tiver tido a visão de facilitar as contas para o preenchimento dos recibos verdes. E quem ache que estou a exagerar é porque, com toda a certeza, nunca perdeu muito tempo do seu dia de trabalho à espera que a pessoa que tem à frente perceba o funcionamento do valor bruto, da retenção na fonte, da incidência de IVA, do valor líquido e da tenebrosa soma algébrica para apurar o resultado.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Fazer rolar cabeças

A notícia já é do fim-de-semana passado. Existem lares, apoiados pelo Estado, a recusar idosos infectados com HIV. Mencionou-se a possibilidade, reconhecidamente extrema, de vir a retirar os apoios concedidos a esses lares. O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, reagindo a essa ainda que remota possibilidade, apelou à “pedagogia” e rejeitou que se “corte cabeças a torto e a direito”.

Tem razão o presidente das Misericórdias. A pedagogia e a sensibilização são sempre soluções altamente recomendáveis, pelo menos para aqueles que acreditam que a mudança é possível. Da mesma forma, os lares das Misericórdias desempenham um papel importantíssimo e seria eventualmente nefasto colocá-los numa situação difícil que acabaria por prejudicar, em último caso, a população que beneficia dos serviços por eles prestados.

Tudo isto faz sentido e parece equilibrado, mas a questão não se esgota aqui. Tudo parece apontar para que os casos relatados representem situações pontuais. Mas é preciso que nos perguntemos a partir de que número as coisas passam a ganhar um relevo impossível de ignorar e em que circunstâncias é legítimo pedir responsabilidades. Três casos pontuais de discriminação são apenas um deslize ou são três casos a mais do que se pode aceitar? Faz sentido admitir que discriminar poucos é melhor do que discriminar muitos?

Ninguém recusará méritos à pedagogia, mas espera-se que, mais de duas décadas depois do mundo ter despertado para a realidade da SIDA, pessoas com responsabilidades em áreas ligadas à acção social estivessem entre a população mais sensibilizada para os problemas da discriminação e da exclusão. Tem de ser possível traçar uma linha que divida aqueles que reúnem condições para as funções que ocupam dos que não as possuem. Não se trata de fazer rolar cabeças. Trata-se de assegurar que as pessoas estão à altura dos cargos. Ao Estado não cabe pedir cabeças, mas é perfeitamente legítimo que exija que aos apoios que concede corresponda um desempenho de acordo com o princípio da igualdade de direitos. A União das Misericórdias, por todo o trabalho que não se pode deixar de se lhe reconhecer, devia ser a primeira a preocupar-se com isso. Quando estão em causa questões fundamentais, os números não são realmente importantes.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Promessas vãs

Recentemente, quando Alvin Toffler passou por Portugal, ganhou algum destaque o facto de ter afirmado preferir Barack Obama porque representava um sinal positivo para o resto do mundo. Argumentou-se, não sem razão, que escolher candidatos em função do sinal que representam talvez não seja a opção mais sensata. Contudo, quase ninguém reparou que Toffler complementou a sua preferência afirmando que não acreditava que nenhum candidato cumprisse as promessas que faz. O contexto é importante e as declarações aparentemente superficiais podem sempre encerrar algum tipo de raciocínio mais esclarecido.

sábado, 15 de março de 2008

Leis potencialmente inúteis

O governo quer acabar com as raças de cães consideradas perigosas em território nacional. Como as pessoas que usam cães como prolongamento dos seus egos e que não entendem ou não respeitam os mais elementares conselhos da sua educação e sociabilização não vão desenvolver um súbito interesse por peixes de aquário, é provável que daqui a 5 ou 10 anos tenhamos o mesmo tipo de problemas que levaram a esta lei envolvendo outras raças.

Aquilo que é considerado perigoso ou agressivo (conceitos diferentes, convém lembrar) varia de país para país. Curiosamente, na lista italiana não consta o Mastim Napolitano, que está na lista alemã, onde, por sua vez, não está o Rottweiler, que está na lista espanhola, onde não está o cão das Canárias, que está na lista italiana, onde o Serra da Estrela e o Rafeiro do Alentejo também são considerados com risco de agressividade e já foram tidos como potencialmente perigosos. Mas em Portugal não. Tudo muito objectivo, como se vê.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Resumo da situação

Um dos comentários do blogue da Atlântico, a propósito da capa miserável do DN de terça-feira, refere que, jornalisticamente falando, “a fotografia está bem apanhada, porque vende e porque levanta polémica”, acrescentando depois que, apesar de não ser uma história para figurar no jornal, “as vendas falam mais alto, e por vezes é necessário abdicar de certos princípios para ganhar leitores e visibilidade”.

Eis a descrição do estado a que chegou a comunicação social. Vender e polemizar são conceitos relevantes para a definição de jornalismo e os princípios são relativizáveis em função da visibilidade. Não poderia estar melhor condensado.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Lixo

Se a mulher do presidente da CML, António Costa, não tem actividade política conhecida, se tece comentários em círculos reservados, se se limita a participar numa manifestação a título pessoal, esta pseudo-notícia no DN é puro lixo e tem como única finalidade dar visibilidade às tristes e mal intencionadas insinuações de Paulo Pinto Mascarenhas. A forma de estar na política do círculo próximo de Paulo Portas já é bem conhecida. A falta de dignidade de imprensa de referência, infelizmente, também já vai sendo.

O gosto e a qualidade

Existe um pequeno problema com a adenda do João Tunes ao seu post A Mania Fixada dos 3 F. O raciocínio explicita uma dicotomia acentuada entre massas e vanguarda cultural. Essa dicotomia não existe nesses moldes. Nem eu sou a pessoa indicada para escrever um texto de sociologia do consumo cultural nem este blogue precisa de mais textos impenetráveis que ninguém lê, mas as lógicas do consumo respeitam mais um ordenamento em espiral do que uma divisão dicotómica. As diversas classes sociais aspiram ao padrão de consumo das classes que lhe estão imediatamente acima e procuram afastar-se dos padrões das que lhes estão imediatamente abaixo. Para que fique bem claro, este acima e abaixo são usados devido ao suporte metafórico da espiral. Não estou, ainda, a fazer juízos de valor. Posso gostar do livro A, do filme B, do programa C e da reportagem D. Outros discordarão. Nada de especial. São meras preferências.

O juízo de valor começa quando se propõe uma hierarquia baseada num qualquer conjunto de critérios. Apesar da crescente facilidade de segmentação do mercado e de difusão de conteúdos, as escolhas têm de ser feitas. Voltando ao nosso caso, abrir telejornais com notícias de futebol ou com a maior manifestação contra o governo não pode ter o mesmo valor, sob pena de cairmos num relativismo niilista. O número de simpatizantes do SLB e do SCP não é um argumento forte porque, se admitirmos que todos os simpatizantes de um clube se interessam de forma homogénea pelo resultado do fim-de-semana, nada nos impede de afirmar que todos os cidadãos de um país se interessam de forma homogénea pelos acontecimentos que influenciam a sua governação.

Os conteúdos noticiosos, a abordagem jornalística e a hierarquia de prioridades são passíveis de ser julgados. Se as audiências são um indicador de preferência mas não de qualidade, então como medir esta última? Julgo que a resposta se encontra em critérios de relevância objectiva dos assuntos e em rigor de tratamento da informação. Parece-me inquestionável que, objectivamente, o que está relacionado com a governação tem primazia sobre o que se relaciona com o desporto. A política e o entretenimento não estão ao mesmo nível de importância. Se uma boa parte das pessoas prefere as reportagens sobre o Benfica e o Sporting, isso é sobretudo um problema de cidadania e de demissão das responsabilidades cívicas, e não um problema que ponha em causa a hierarquia valorativa que propus. Não somos um povo de mandados, nem de tontos, nem de elites e de massas. Somos um país com fracos níveis de maturidade democrática e de cultura cívica, em que a ética e a qualidade não são suficientemente valorizadas.

terça-feira, 11 de março de 2008

Efes

Se não tresli, sou acusado de alinhar pelo diapasão dos que acham que temos um povo de mandados que cai na primeira esparrela que apanha à frente. Mas entre aquilo com que o povo se distrai e aquilo com que querem distrair o povo vai uma grande diferença. Há ciclos mediáticos e, apesar de termos telejornais de quase 90 minutos, o tempo de cobertura não deixa de ter de ser distribuído entre as várias notícias. Sem Camacho e sem a crise de resultados do Sporting sobrava bastante mais tempo para dedicar a outras coisas. Se alguém me pedisse a opinião, eu diria que o futebol não deve abrir telejornais nem fazer capa de periódicos generalistas. Mas ninguém pediu e a comunicação social nunca cessa de nos surpreender com as suas opções editoriais.

Levo uns anos valentes a menos disto do que o João Tunes. Mesmo assim, se não me falha nada, quer-me parecer que os três F elucidam mais sobre o que o regime salazarista reservava às massas do que sobre as preferências destas. Acho que do meu post não se retira que somos um povo de mandados e de tontinhos distraídos. Quanto muito, retira-se que dentro do PS deve haver quem esteja aliviado por dividir um ciclo mediático que não lhe é particularmente favorável. Se parecer outra coisa, façam favor de dizer, mesmo que seja para me explicar o que é que eu estava a pensar quando escrevi o texto.

Provocação

Oitenta escudos por um bilhete para Genesis? Parece-me um bom preço de mercado ainda hoje.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Timing perfeito

No fim-de-semana da maior manifestação contra o governo de José Sócrates, o treinador do Benfica demite-se e o Sporting encaixa dois secos em Guimarães, consolidando uma renhida luta pelo apuramento para a UEFA. No Largo do Rato devem estar a acender velinhas aos santos.

domingo, 9 de março de 2008

Tramaram-se

O PSOE ganhou novamente as eleições espanholas. Perdeu o PP, claro, mas, acima de tudo, perdeu a Igreja Católica espanhola. Os bispos espanhóis quiseram ir a votos e obtiveram uma resposta inequívoca de uma sociedade que está muito à frente do obscurantismo que pretendiam fazer vingar.

Muito curiosa é a convivência deste activismo político, quase militante, com as passagens dos Evangelhos que dão a César o que é de César. Não é uma realidade de agora, mas não deixa de ser estranho que ainda seja uma realidade nos dias de hoje.

Feitios

Há uns tempos, quando já andavam a abrir a porta da rua a Camacho, comentava-se que se ele fosse um bom treinador não estaria no Benfica. O que Camacho percebe de futebol passa-me ao lado, tal como passa ao lado dos que o criticam na sua erudição de mesa de café. O que é certo é que o agora bi-ex-treinador do Benfica, não há melhor forma de o dizer, é daquelas pessoas que não está para aturar merdas. O que é muito mau para se trabalhar em futebol, onde quer que seja, e em Portugal, no que quer que seja.

terça-feira, 4 de março de 2008

Vapor político

O Rui Branco revela perplexidade pela bateria de críticas com que o Movimento Esperança Portugal foi recebido e prefere oferecer o benefício da dúvida ao projecto de Rui Marques.

O centro do centro, politicamente falando, é algo que não me agrada. É um posicionamento legítimo, claro, mas ideologicamente muito difícil de sustentar. O centro do centro, como opção política, parece-me coerente com um pragmatismo político muito activo. Podemos esperar para ver, mas quer-me parecer que a melhor estratégia, nesse caso, passaria por assumir projectos muito definidos. Para já, assistimos apenas uma manifestação de intenções que está entre o vazio e a ambiguidade que serve tudo.

Em segundo lugar, as expressões de eleição deste novo movimento deixam muito a desejar. Têm ligeiros laivos de demagogia messiânica e de ingenuidade político-social. Posicionem-se onde quiserem e escolham o discurso que lhes apetecer, mas é inegável que pretendem ocupar um espaço que está preenchido. E, assim sendo, não estou a ver como podem reclamá-lo sem uma crítica muito forte ao que tem sido o centro e os seus actores políticos no passado recente.

Por estes lados, não se trata tanto de cuspir em todas as direcções nem de distribuir porrada pelos pequeninos. Opiniões, já dizia o outro, cada um tem a sua. O MEP propõe-se mudar o país pelo centro, privilegiando o que nos une e construindo pontes. Mas de substância e ideias concretas não apresenta nada. É tudo tão vaporoso que, para ser sincero, não sei se chega, sequer, para ser qualificado como demagogia.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Regresso a Viena

"Não apago. Porque Wittgenstein's Vienna é um título demasiado bom para ser deixado à disposição de qualquer um (apesar de se basear miserável e vergonhosamente num excelente livro de título homónimo). Porque não me esqueço do desgosto que tive ao ver que o endereço Ceci n'est pas un blog não estava em branco e não quero deixar de proporcionar a outros um desgosto parecido com aquele que, na altura, me assolou. Porque talvez me apeteça, um destes dias, ter um blogue onde possa ilustrar a palavra justiça com a fotografia de um jacaré. Ou, talvez, com a gravura de uma cadeira."

Entre o PS e o PSD

"O Movimento Esperança Portugal descreve-se como abrangendo um espaço da social-democracia entre o PS e PSD."

Entre o PS e o PSD, como tem sido muito notório, o que existe menos é espaço para o que quer que seja, de tal forma as extremidades de cada um se tocam. Um novo partido pode e deve reclamar qualquer espaço político, apesar dos analistas que equacionam o espectro partidário como se se tratasse de feirantes a competir por balcões no mercado da vila. O problema do Movimento Esperança Portugal, para além do nome escolhido, é que é impossível implantar-se nessa zona sem fazer uma crítica feroz ao que tem sido o centrão socialista/social-democrata. De alguma forma, não me parece que seja essa a estratégia pela qual os seus futuros dirigentes vão optar.