quarta-feira, 31 de março de 2010

Responsabilidade

Regressando aos temas da actualidade, um dos incontornáveis é o da pedofilia. A Igreja Católica, a este propósito, tem sido atacada por muitos lados, mas convém dizer claramente que, igualmente muitas vezes, de forma injusta. O problema que se coloca à Igreja não é o dos casos de padres pedófilos, da mesma forma que o problema que se coloca à política não é o dos políticos corruptos. Tanto a uma como a outra, as questões maiores que enfrentam são a do encobrimento e da impunidade.

Não é fácil conceber como um Estado de direito democrático pode, de forma aceitável, erradicar o crime - assuma ele a forma de pedofilia, tráfico de droga, homicídio, ou outra qualquer. Evidentemente, o sofrimento de uma só criança que seja é intolerável. Na ausência de informação que corrobore a ideia (com quase toda a probabilidade, errada) de que o celibato contribui de alguma forma para a pedofilia, importa compreender que esta última surge essencialmente ligada à figura da autoridade. Quer seja no meio familiar, quer seja em meios de socialização secundária, como escolas, orfanatos ou grupos religiosos, o que está em causa é a relação que se constitui entre os abusadores e as suas vítimas, uma relação de poder em que os primeiros o exercem quase na exclusividade. Podemos, eventualmente, discutir os méritos e deméritos deste tipo de relação para a formação da personalidade de uma criança. Mas isso, no âmbito do tema dos escândalos de pedofilia que têm visto a luz do dia, é iludir o principal. O que deve, em primeiro lugar, merecer atenção não é como foi isto acontecer, mas como foi possível conservar o silêncio tanto tempo.

Como foi possível encobrir e proteger crimes desta natureza? Como foi possível que ninguém tivesse sido responsabilizado judicialmente? Discutir a existência de uma crime numa sociedade livre é, muitas vezes, discutir o sexo dos anjos. O que se espera de uma democracia é o debate permanente e sem preconceitos dos seus processos de responsabilidade e responsabilização individual.

4 comentários:

Helena Araújo disse...

Miguel,
essa questão da pedofilia surgir ligada à autoridade não coincide com o que aconteceu na escola de Odenwald: um internato de pedagogia super-moderna, a escola do futuro, onde os alunos tratavam os professores por tu e viviam com eles em pequenos núcleos, denominados "família". O director, e mais uns oito professores: abuso sexual dos alunos.
Para complicar, os próprios alunos de então são os primeiros a defender a situação: que ninguém era obrigado, que sabiam ao que iam, que também retiravam daí vantagens...
E houve um professor que, na época, ao mostrar a escola a um novo colega, apontou para um miúdo (penso que de 13 anos) e avisou o colega para ter cuidado, porque um professor tinha sido "vítima deste rapaz".

Há por aqui um imenso mundo de tabus e histórias mal contadas.

Miguel Silva disse...

Não conhecendo em particular esse caso, arriscaria dizer que, por muito moderna que seja a pedagogia da escola, existe sempre uma diferença de estatuto e de autoridade entre os alunos e os professores.

Quanto ao resto, tenho alguma dificuldade em aceitar que rapazes de 13 anos possam ser igualmente responsáveis pelo seu comportamento sexual como adultos. O grau de maturidade e responsabilidade é obviamente diferente. O "saber ao que iam", o "ninguém era obrigado" e o "retirar daí vantagens" não faz qualquer sentido. Eu não quero que os meus filhos, ou os de quem quer que seja, retirem vantagens na escola fazendo sexo com os professores. E parece-me elementar que faz parte das competências de um professor, e da sua ética profissional, separar as águas entre a relação de afecto que possa nutrir pelos alunos e a consumação de uma relação sexual.
E sobre o professor que foi "vítima deste rapaz", faz-me lembrar os violadores que são vítimas das mulheres de mini-saia. Estamos a inverter o ónus da responsabilidade.

Helena Araújo disse...

Miguel,
concordo com tudo o que dizes. Mas: o modo como outros antigos alunos (outras possiveis vitimas) argumentam aponta para outras maneiras de pensar sobre a vida sexual dos adolescentes. Vamos ter de debater sobre isso.

Ali'as: comparado com as reaccoes que nos chegam de pessoas ligadas a essa escola (mas nao a actual directora), a hierarauia catolica est'a a ter um comportamento "irrepreens'ivel"
(nota qaue eu disse: comparando)

Estou num teclado frances. Tudo trocado, uma canseira. Que seja umexerc'icio contra o Alzheimer...

Helena Araújo disse...

Desculpem os erros!