Na semana passada, ainda no rescaldo do assalto em Campolide, Ferreira Fernandes assinou um artigo de opinião fazendo referência ao documentário Ónibus 174 em jeito de alfinetada nos “sociólogos desculpadores”. Ferreira Fernandes faz parte desse interminável contingente de indivíduos que não percebem a diferença entre compreender ou explicar um comportamento e aceitá-lo ou desculpá-lo, para o qual já vai sobrando muito pouca paciência. Mas neste artigo vai mais longe e, traído pela memória ou pelo preconceito, confunde a interpretação sociológica da criminalidade avançada pelo “sociólogo desculpador”. Não é que a sociedade não ligue aos bandidos (embora, efectivamente, não ligue), mas sim que não liga aos marginais (conceito bastante diferente de bandido), os quais têm na criminalidade, e sobretudo na criminalidade violenta, uma saída que lhes confere visibilidade e uma sensação de poder que não experimentam em nenhuma outra situação. Não é uma desculpa, é uma explicação e nada descabida.
O espaço diário de Ferreira Fernandes no DN é pequeno e não chega para contar a história toda. Deve ser essa a explicação para deixar de fora aspectos importantes que o documentário explora e que definem o desfecho do sequestro do Rio de Janeiro (a má preparação das forças policiais, a sujeição do poder político às pressões mediáticas, a ausência de soluções de prevenção da marginalidade e de reinserção social, o nível abjecto dos estabelecimentos prisionais no Brasil e o racismo que impera em todo o sistema policial e judicial). Deve ser essa também a justificação para que Ferreira Fernandes sintetize o desfecho do sequestro com “a morte de Sandro, o bandido, e de uma refém”. Convinha ter referido que a refém morre depois de alvejada quatro vezes: um primeiro tiro da responsabilidade de um elemento da polícia, que falha, a um metro de distância, o sequestrador, e os restantes da autoria deste último. Quanto a Sandro Nascimento, que sai ileso desta trágica intervenção, morre “misteriosamente” no carro celular durante o trajecto para a esquadra.
Dos criminosos espera-se que quebrem a lei. Das forças da autoridade espera-se outra coisa.
1 comentário:
às vezes é desesperante ter que continuar a dizer o óbvio, uma pessoa quase se sente envergonhada.
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