Os exemplos pontuais valem o que valem. São episódios que podem condensar em si mesmos um retrato fiel de uma determinada realidade ou que podem apenas contribuir para uma mistificação da mesma. Eu deixo a história e a minha interpretação e, a partir daí, cada um faça a leitura que quiser.
O meu irmão, agora com 22 anos, desde muito cedo começou a praticar natação. Ao chegar à adolescência iniciou-se na competição. O seu dia típico implicava despertar entre as 5:30 e as 6:00, ir de boleia com o nosso pai até à piscina (porque o início do treino não se compadecia com os caprichosos horários da Carris), passar perto de duas horas na água, ir novamente de boleia com o nosso pai para a escola, tomar um segundo pequeno-almoço durante os curtos minutos de que dispunha no trajecto para não chegar atrasado (porque o facto de ser um atleta de competição federado não lhe proporcionava maior grau de tolerância do que a qualquer outro aluno), passar uma boa parte do resto do dia em aulas, voltar para a piscina ao fim da tarde, passar outras duas horas na água, voltar para casa entre as 20:00 e as 21:00, jantar e, com quatro horas de treino, perto de 7 km de água no corpo e um dia de aulas, arranjar forças para fazer trabalhos de casa e estudar para os testes antes de ir para a cama recuperar para o dia seguinte. Na escola, surpreendentemente ou não, o nível das notas manteve-se bom, excepto, e aparentemente sem explicação, apenas numa disciplina. Quando o nosso pai lá se deslocou para tentar perceber o que se estava a passar, uma vez que as notas de final de período não correspondiam ao que as dos testes faziam prever, a professora dessa disciplina afirmou categoricamente que lhe estava a baixar a nota porque não considerava concebível que um estudante se envolvesse numa actividade tão exigente e não se dedicasse por inteiro à escola. Nenhuma argumentação e nem mesmo uma reunião com o director de turma a fizeram voltar atrás.
Desde há uns tempos que as transmissões de jogos de futebol permitem ao espectador saber quanto corre cada jogador em campo durante a partida. Agora podemos todos pasmar de admiração com futebolistas que percorrem 8 km, 10 km, 12 km num jogo só. Ontem, em Pequim, dois nadadores portugueses, Daniela Inácio e Arseniy Lavrentyev, participaram na mais dura prova de natação nas olimpíadas: os 10 km em águas abertas. Daniela Inácio nadou a distância em 2:00:59 e Arseniy Lavrentyev em 2:03:39. Ninguém pasmou por um nadador precisar de apenas mais 30 minutos para igualar as prestações dos heróis da bola. Aliás, ninguém deu sequer destaque ou importância à prova.
Os 15 milhões de euros que se investiram na missão olímpica de Pequim são um pormenor entre muitos. Em Portugal não se gosta de desporto e não se compreende o desporto. Gosta-se de ganhar e gosta-se das intrigas palacianas que enchem diariamente as capas dos jornais desportivos. Discutir se 15 milhões de euros é dinheiro a mais ou dinheiro a menos é falhar o mais importante. As condições de base para o sucesso não estão lá. Quando isso acontece não há dinheiro que salve o dia.
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