Algumas pessoas, provavelmente iludidas pela duração do filme Portugalnomics, não perceberam que estavam a olhar para uma publicidade longa e julgaram estar a olhar para um documentário curto. Enganaram-se. O ritmo, a linguagem e o estilo pertencem à publicidade e é a partir daqui que devemos encarar aqueles já célebres seis minutos e meio.
Do que tenho lido, as críticas passam por dois pontos principais. O primeiro é o dos erros factuais. Evidentemente, os erros históricos merecem reparo. Por um lado, mostram que ninguém se deu ao trabalho de validar a informação ali reproduzida ou que, se isso foi feito, escolheram mal as pessoas para o fazer. Por outro, a colecção de erros transporta o buzz mediático nas redes sociais para um aspecto que passa ao lado do objectivo primeiro que é o de ser um filme motivacional. Há muitas pessoas que encararam este filme como uma mensagem aos finlandeses. Novamente, estão enganados. É um filme promocional upbeat sobretudo para consumo interno.
A segunda crítica apontada ao filme é a sua suposta mensagem nacionalista. Só quem não percebe, ou teima em não perceber, o registo publicitário do filme é que pode tirar uma conclusão destas. No fundo, o que estão a fazer não é muito diferente de, perante um anúncio de uma marca de automóveis, dizer que a mensagem está enviesada. É claro que está. É publicidade e é suposto estar.
O problema que se levanta aqui é o das narrativas. Parece haver demasiadas pessoas habituadas a construir ou consumir narrativas de sinal negativo sobre Portugal. Quando alguém propõe uma narrativa diferente, mesmo que enquadrada num registo claramente promocional, os anti-corpos manifestam-se. Numa página do Facebook, alguém pergunta o que quer dizer que fomos nós que inventámos o pastel de nata, porque, obviamente, cada país inventa a sua própria pastelaria. Ora, se não me escapa nada, dizer que fomos nós que inventámos o pastel de nata quer apenas dizer que fomos nós que inventámos o pastel de nata. Outros povos terão inventado outras iguarias. Nós temos esta, melhor do que algumas, pior do que outras, mas, de uma forma geral, bastante apreciada por nativos e turistas. Frisar um leque de atributos eventualmente positivos – supostos feitos históricos, pretensos vedetismos internacionais, putativos traços culturais idiossincráticos – num registo desta natureza não pode ser equiparado a um exercício de chauvinismo. É apenas um dos lados do que pode ser dito. O facto de haver o reverso da medalha e de o mesmo não ter sido referido apenas seria relevante se estivéssemos a falar de um conteúdo com outras pretensões e com outro enquadramento, em que o rigor, a objectividade e o distanciamento constituíssem factores fundamentais da legitimação do discurso produzido. Não é esse o caso.
Em termos pessoais, não me podiam ser mais indiferentes os conceitos de nacionalismo ou patriotismo. Têm uma dimensão histórica e política que não pode ser ignorada, mas em momento algum senti que os termos nacionalista ou patriota fossem úteis para explicar a minha forma de estar. Nasci e cresci em Lisboa, frequentei o sistema de ensino português, recorro ao sistema de saúde português, sou contribuinte e beneficiário do Estado Providência da República Portuguesa. Tudo isto faz de mim português. Independentemente dos locais para onde o futuro me leve, este passado e presente estarão indelevelmente marcados na minha experiência e na minha forma de estar. Não tenho especial orgulho ou vergonha das acções e processos pelos quais não sou responsável directo. Parece-me estranho que a minha auto-representação passe por identificações com um determinado território geográfico ou com uma determinada entidade político-administrativa. Estou consciente de que sou sensível às suas influências, mas não considero que façam de mim uma tipificação. Interessa-me o bem-estar das entidades políticas que me representam, porque acredito que não se constrói uma sociedade justa e próspera sem esse bem-estar. É-me irrelevante o nível da entidade política (local, nacional, supra-nacional), tal como me é irrelevante a divisão territorial e o nome que decidimos dar a tudo isto. Interessa-me o bem-estar e a prosperidade de Lisboa, de Portugal e da União Europeia, independentemente de me sentir mais ou menos lisboeta, português ou europeu, apenas porque são os locais político-administrativos que me representam. Se um dia o meu percurso me levar a residir e trabalhar noutras realidades geográficas e políticas, embora mantendo os laços afectivos aos locais de origem e à qualidade de vida dos que cá estão, o meu compromisso mais imediato e mais empenhado será, na medida em que tal seja possível, com as novas entidades político-administrativas de referência. Não é preciso ser nacionalista ou patriota para estar interessado e empenhado no sucesso de uma determinada sociedade.
Entre as pérolas que enchem os blogues e o Facebook, pode ler-se de tudo. Há quem tenha vergonha de um filme destes, há quem tenha vergonha de viver num país que faz um filme destes e há quem pareça achar que somos todos parvos, tontos, bacocos, paroquiais, provincianos e perigosos nacionalistas. Não haja dúvida que é conceder uma dimensão a um produto que seguramente ultrapassa os mais alucinados sonhos dos seus criadores. Por norma, devem alimentar-se reservas perante consensos hegemónicos. Mas também merecem toda a desconfiança as teorias que postulam a iliteracia geral, de onde apenas se salva – surpresa! - o autor das iluminadas linhas que nos explicariam, se estivesse ao nosso alcance a capacidade de compreender o seu brilhantismo, como somos simplórios. Ironicamente, quem decreta a ignorância alheia não percebe que incorre na mesmíssima paroquialidade que tanto critica. É por aqui que alcançam a sua realização intelectual e mediática? É para o lado em que durmo melhor.
Existe ainda uma terceira crítica apontada ao filme das Conferências do Estoril e que é a de se estar a fazer chantagem emocional sobre os finlandeses: ajudem-nos, porque nós também vos ajudámos em 1940. Novamente, recordemos que o filme é manifestamente para consumo interno e que não serve para pedir nada a ninguém. Podemos assumir que o final do spot promocional instrumentaliza o valor da solidariedade e que tenta impor-se a uma hipotética consciência colectiva finlandesa. Ou podemos assumir que tenta apenas promover a ideia de que os portugueses foram e serão solidários quando necessário. Não sei quantas pessoas contribuíram nem com o que contribuíram em 1940 para o auxílio à Finlândia. Naturalmente, não se pode encarar aquela operação sem a contextualizar no regime político salazarista e nas suas relações com os fascismos europeus. Mas estou disposto a dar como garantido que a maior parte das pessoas terá contribuído sobretudo por generosidade e solidariedade. Da mesma forma que contribuímos em 2010 para as vítimas do temporal na Madeira, independentemente de uma parte dos nossos impostos ser transferida anualmente para o arquipélago ou do que possamos sentir em relação ao governo regional. Acredito que, até existirem razões em sentido contrário, devemos conceder o benefício da dúvida ao julgar as intenções de terceiros e que devemos ter sempre presente que todos somos o outro de alguém.
Para todos os que se revêem no discurso sobranceiro do bota-abaixismo – o Estado não funciona, os políticos são todos corruptos, o povo é estúpido, será sempre assim e não há salvação possível –, gostaria de terminar dando-lhes razão num aspecto: o país não os merece.
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