segunda-feira, 2 de junho de 2008

Acontecimentos

Não ver televisão tem as suas vantagens. A principal é que as coisas regressam à dimensão que possuem sem o efeito promocional que a televisão lhes empresta. Hoje em dia, até os telejornais são programas de entretenimento. De outra forma, não faria sentido que durassem mais de 30 minutos, como não faz sentido que se transmitam directos de todos os sítios e mais alguns, a propósito de tudo e mais alguma coisa. Os factos deixam de ser factos e passam a ser "acontecimentos". A forma passa a definir o conteúdo e a propaganda incessante encarrega-se de relegar para segundo plano os restantes factos que concorrem por espaço noticioso televisivo.
O distanciamento do exagero que a promoção dos "acontecimentos" assume não apaga a sua importância. Antes permite que ela seja equacionada em perspectiva e de um ponto de vista muito mais pessoal. O julgamento é aquele que cada um faz em função dos seus interesses e prioridades, e não o que é definido a priori por terceiros e que só por manifesta ingenuidade pode ser considerado imparcial e destituído de interesses. A televisão dá mais importância ao futebol porque o futebol interessa e o futebol interessa porque a televisão dá mais importância ao futebol. Este é o ciclo viciado das prioridades editoriais e a principal explicação que desmistifica a falsidade de que "as audiências provam que a televisão transmite o que as pessoas querem ver".
Sem televisão, o terramoto de Sichuan continuará sempre a ser uma tragédia, mas o Rock in Rio é apenas uma sucessão de concertos e o Euro 2008 são apenas jogos de futebol.

2 comentários:

Rita Maria disse...

Inteiramente de acordo. Com o que não tenho televisão, mas vou pedir uma emprestada para o Euro. Nalgumas coisas, gosto de perder a perspetiva.

Helena Araújo disse...

Ó Miguel, estás-te a esquecer do public viewing...
;-)
Ó Rita, onde vais ver os jogos de Portugal? E os do Brasil? Os do Brasil são sempre formidáveis se vistos em salas grandes cheias de brasileiros. Nunca mais vou esquecer a final do campeonato mundial de 1998, numa cantina universitária ocupada pelos brasileiros, com batuqueiros que parecia acreditarem que da força do batuque deles dependia o resultado final.
Há disso em Berlim? Já lá estou!