Um dos temas mais interessantes para discutir as consequências práticas da globalização é o futebol. Mais concretamente, as suas implicações no modelo de organização e gestão do futebol moderno.
Há muitos críticos do rumo que o futebol está a tomar. Se quisermos agrupar as opiniões em apenas duas barricadas, de um lado temos os que defendem que o futebol (e o desporto, de uma forma geral) deve representar um caso de excepção no enquadramento legislativo europeu, enquanto do outro temos os que defendem precisamente o contrário. As leis do futebol europeu, neste momento, alinham pela livre circulação de jogadores, em concordância com o que se passa no mercado de trabalho comum da UE. Na opinião de alguns, isso descaracterizou os campeonatos nacionais, prejudicando a formação de novos talentos nas escolas dos clubes, ao mesmo tempo que agudizou uma divisão entre clubes de elite, com orçamentos milionários, e clubes de segunda, com orçamentos modestos.
Há uns anos, o modelo das competições europeias de clubes começou a sofrer alterações profundas de forma a maximizar as receitas televisivas. Na UEFA, alguém se lembrou que, dentro da lógica do futebol-entretenimento, seria interessante ver com mais frequência as melhores equipas jogar entre si. Como, matematicamente, isto é muito complicado de ver acontecer num modelo de eliminatórias e apenas com um representante por país, no caso da Taça dos Campeões, nasceu o conceito de Liga dos Campeões. Nesta última, existem fases de grupos e podemos encontrar até um máximo de quatro equipas de um mesmo campeonato. O aparente contrasenso de termos uma Liga de Campeões cuja final pode, hipoteticamente, ser disputada entre duas equipas que não conseguiram melhor que a quarta classificação no seu campeonato nacional não impediu a sua implementação.
O lema da UEFA é “We care about football”. Mas não cometemos uma grande injustiça se dissermos que a sua preocupação passa muito, sim, pelas receitas do futebol. De resto, as boas intenções da UEFA e da FIFA para com o futebol-desporto são sempre de desconfiar. Basta relembrar que a final de Moscovo, este ano, terminou depois da uma da manhã, hora local, ou que muitos dos jogos do Campeonato do Mundo nos EUA, em 1994, se disputaram debaixo de um Sol implacável e temperaturas altíssimas, para benefício das transmissões televisivas para a Europa.
O principal problema do futebol é que o actual modelo, que gera receitas fabulosas, não foi acompanhado de uma política sensata de distribuição de riqueza. Quem já dispunha de orçamentos elevados teve a oportunidade de ganhar ainda mais. Quem não dispunha de recursos, viu-se progressivamente afastado da possibilidade de diminuir a diferença para os clubes de elite. Neste Verão, fala-se de transferências milionárias como sempre se tem falado desde há uns anos. O Chelsea pode oferecer mais de 60 milhões de euros por um avançado do Liverpool. O Inter poderá gastar mais de 40 milhões para reforçar-se de acordo com os desejos do seu novo treinador. O Real Madrid pondera seriamente a hipótese de contratar Cristiano Ronaldo ao Manchester United por qualquer coisa como 80 milhões de euros.
Perante um cenário que pouca gente terá a coragem de não apelidar de excessivo, alguns voltam-se para a livre circulação de jogadores como uma das causas do descalabro, pretendendo, obviamente, restringi-la. Desse modo esperam que regresse um maior equilíbrio entre clubes europeus. Mas muito mais eficaz, e até justa, seria a imposição de limitações de outro nível. O actual modelo beneficia um número muito restrito de jogadores. Cerceando a circulação de jogadores de uma forma geral, não só não se impede que os valores de transferências continuem a subir, como se ataca o direito de uma imensa maioria de futebolistas que não deixam de ser trabalhadores e não ganham, nem de perto nem de longe, os salários que enchem as manchetes dos diários desportivos. Assim, sobra por exemplo a imposição de tectos salariais e de tectos para transferências. E sobra também uma distribuição de receitas que não favoreça apenas os que já possuem os maiores trunfos, mas que beneficie a modalidade como um todo. Se é competição que se pretende, então este será um caminho muito mais seguro.
O futebol não pode ser encarado puramente como desporto nem puramente como negócio de entretenimento, pois muito mais está em causa. De alguma forma, criou-se a ideia de que os dois modelos são inconciliáveis, o que não é verdade. Soluções de compromisso são sempre possíveis. Basta vontade de as alcançar e não recorrer à primeira solução aparentemente milagrosa que apareça.
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