A notícia já é do fim-de-semana passado. Existem lares, apoiados pelo Estado, a recusar idosos infectados com HIV. Mencionou-se a possibilidade, reconhecidamente extrema, de vir a retirar os apoios concedidos a esses lares. O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, reagindo a essa ainda que remota possibilidade, apelou à “pedagogia” e rejeitou que se “corte cabeças a torto e a direito”.
Tem razão o presidente das Misericórdias. A pedagogia e a sensibilização são sempre soluções altamente recomendáveis, pelo menos para aqueles que acreditam que a mudança é possível. Da mesma forma, os lares das Misericórdias desempenham um papel importantíssimo e seria eventualmente nefasto colocá-los numa situação difícil que acabaria por prejudicar, em último caso, a população que beneficia dos serviços por eles prestados.
Tudo isto faz sentido e parece equilibrado, mas a questão não se esgota aqui. Tudo parece apontar para que os casos relatados representem situações pontuais. Mas é preciso que nos perguntemos a partir de que número as coisas passam a ganhar um relevo impossível de ignorar e em que circunstâncias é legítimo pedir responsabilidades. Três casos pontuais de discriminação são apenas um deslize ou são três casos a mais do que se pode aceitar? Faz sentido admitir que discriminar poucos é melhor do que discriminar muitos?
Ninguém recusará méritos à pedagogia, mas espera-se que, mais de duas décadas depois do mundo ter despertado para a realidade da SIDA, pessoas com responsabilidades em áreas ligadas à acção social estivessem entre a população mais sensibilizada para os problemas da discriminação e da exclusão. Tem de ser possível traçar uma linha que divida aqueles que reúnem condições para as funções que ocupam dos que não as possuem. Não se trata de fazer rolar cabeças. Trata-se de assegurar que as pessoas estão à altura dos cargos. Ao Estado não cabe pedir cabeças, mas é perfeitamente legítimo que exija que aos apoios que concede corresponda um desempenho de acordo com o princípio da igualdade de direitos. A União das Misericórdias, por todo o trabalho que não se pode deixar de se lhe reconhecer, devia ser a primeira a preocupar-se com isso. Quando estão em causa questões fundamentais, os números não são realmente importantes.
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