Se não me falha a memória, julgo que apenas por uma vez comentei a novela da Ota vs. Alcochete vs. Portela + 1. Nos blogues andamos todos a falar, muitas vezes, de assuntos que não dominamos, e é inevitável que assim tenha de ser, sob pena de a escrita e a interacção entre bloguistas ficar reduzida a serviços mínimos. Mas existem limites e, para mim, os campos da aeronáutica e das mega-obras de engenharia são dois deles.
Evidentemente, o assunto não é desprovido de interesse. Mas não abundam capacidades de entender e ajuizar todas as variáveis em questão, como também falta paciência para o enredo novelesco que cobre o desenrolar dos acontecimentos. A certa altura, o cidadão comum dá-se por contente que se encontre uma solução qualquer e que esta não passe por lhe construírem o aeroporto num dos canteiros do jardim do bairro.
Na impossibilidade de comentar as opções, resta a faculdade de comentar o processo. Não ficaria surpreendido se uma boa parte das pessoas que acompanham vagamente os avanços e retrocessos deste projecto manifestasse uma opinião negativa em relação ao processo de decisão em curso. Mais, não me surpreenderia que essas mesmas pessoas considerassem que por cada novo estudo que surge, mais do que uma avaliação técnica, surja um interesse oculto qualquer em arrastar a obra para determinado local.
Este tipo de opinião negativa em relação aos processos de avaliação e decisão é do pior que pode acontecer a um sistema político que se quer democrático. Verdade seja dita, muita responsabilidade se pode imputar aos principais actores – ao seu aparente ressentimento mútuo, à sua aparente falta de disponibilidade para ouvir, à sua aparente opacidade no momento de partilhar toda a informação de que dispõem – tal como muita responsabilidade se pode imputar à opinião pública – a sua falta de preparação, a sua falta de interesse, a sua falta de participação.
Mas o grau de desconfiança que atinge a opinião pública torna-se sobretudo preocupante porque se pode tornar sistémico e extravasar o caso concreto em apreciação para se generalizar a todos os processos de decisão política neste país. Não só não estamos longe desse dia, como talvez já estejamos a viver as suas primeiras horas. Se assim não fosse, a mudança de regime pela qual ciclicamente se clama em certos meios, assim como a simpatia e compreensão que as “lideranças musculadas” parecem recolher na nossa sociedade, não teriam lugar tão facilmente.
A nossa democracia é imperfeita, não existindo nenhum problema especial nisso. Todas as democracias são imperfeitas e é razoável duvidar que uma democracia perfeita continue ainda a ser uma democracia. A perfeição não é um dos atributos do ser humano. O que a humanidade tem buscado, nem sempre pelos melhores caminhos nem pelas melhores razões, é a melhoria da sua condição, a qual quase nunca ocorreu como resultado da força, mas antes da inteligência, da compreensão e do respeito mútuo. Um sistema político que se quer ver respeitado tem que se dar ao respeito. Obliterar esta regra não augura nada de bom para o futuro próximo.
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