terça-feira, 8 de julho de 2008

Reconciliemo-nos, diziam eles

A Igreja Anglicana aprovou, por maiorias expressivas, a ordenação de mulheres bispos. O aceso debate e a polémica que antecederam esta alteração parecem ter traduzido menos consenso do que aquele que as votações demonstram. A favor da ordenação de mulheres estiveram 70% dos bispos, 74% do clero e 62% dos laicos, o que deixa muito pouca margem para ambiguidades.

Para a Igreja Católica, este é um passo que suscita “desgosto” e um “obstáculo à reconciliação” entre as duas Igrejas. Diz ainda a ICAR que a ordenação de mulheres constitui uma “ruptura com a tradição apostólica mantida por todas as Igrejas no primeiro milénio”. O facto de a ICAR ter de recuar mais de 1000 anos para apoiar as suas posições neste debate já devia ser suficiente para suscitar alguma reflexão para os lados de Roma. Mas o “desgosto” do Vaticano revela também uma certa forma de ecumenismo. A aproximação entre Igrejas é possível, desde que os modelos se aproximem daquilo que o catolicismo professa. Aliás, esta inflexibilidade, ligada ao medo de perder uma identidade que insiste em carregar consigo alguns dos mais preconceituosos modelos morais e culturais da era pré-medieval, explica bastante bem as dificuldades em manter-se como uma influência no ocidente moderno.

Deixemos de parte o facto de se saber para além de qualquer dúvida que os textos que compõem o Novo Testamento foram seleccionados e adulterados pelas correntes da proto-ortodoxia católica e de ser razoavelmente duvidoso que Jesus Cristo tenha escolhido para seus seguidores apenas homens, e mesmo assim ficamos com a imensidão de práticas descritas na Bíblia que foram abandonadas ao longo dos tempos, precisamente porque os textos bíblicos reflectem modelos de época que não se podem perpetuar sob pena de criarem anacronismos insustentáveis.

Ao recusar terminantemente a ordenação de mulheres, ao condenar a homossexualidade, ao estabelecer uma conexão absoluta entre sexo e procriação, a ICAR apresenta-se como uma Igreja que não é para todos. Alguns dirão que está no seu direito. Muito bem, que esteja. Mas nem é preciso ler os evangelhos que nunca chegaram a integrar o Novo Testamento para se perceber que as intenções de Jesus Cristo andavam longe desta Igreja que se reclama sua há 2000 anos. Há mais Igrejas para além desta Igreja Católica, mesmo dentro dela própria.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

"para se perceber que as intenções de Jesus Cristo andavam longe desta Igreja que se reclama sua há 2000 anos" ou
"para se perceber que as intenções de Jesus Cristo andavam longe desta Igreja que o reclama seu há 2000 anos"?
;-)
Gosto do final: há mais Igrejas para além desta, mesmo dentro dela própria.
Se não fosse assim, eu já estava fora há muito. Bem como muitos dos padres que conheço!