sábado, 15 de outubro de 2011

Uma escolha ideológica

O acréscimo de meia hora de trabalho no sector privado não aumenta a produtividade. Como a produtividade é um quociente, o resultado de mais horas de trabalho pode ser mais riqueza, mas nunca mais produtividade. Isto é matemática do ensino básico. Há muita gente que ou não domina o conceito de produtividade ou não domina o raciocínio matemático inerente a uma fracção e é aflitivo que algumas dessas pessoas estejam no actual governo.

Quando se determina que os trabalhadores passarão a trabalhar mais pelo mesmo salário, o que se verifica é uma redução do custo do trabalho. Basicamente, em termos de custos, é o mesmo que aplicar um corte salarial. Admitindo que os outros factores se mantêm estáveis, a redução do custo do trabalho permite ter um custo final do produto mais baixo. Mas se os produtos continuarem a ser vendidos ao mesmo preço, o resultado é o aumento da margem de lucro. Traduzindo, enquanto o trabalhador está, de facto, a ganhar menos pelo que produz, a gestão fica com indicadores financeiros mais interessantes, pelos quais será recompensada, e os accionistas ficam com mais lucros, a partir dos quais distribuirão dividendos. Fica assim completo o ciclo de transferência da riqueza gerada pelo sacrifício de muitos para benefício de alguns.

O défice poderia nem ser do PSD, embora em boa parte seja (Madeira, BPN, crise política para forçar eleições), mas as opções para o combater, como Passos Coelho reconheceu, são. O governo escolheu atacar a classe média, os pensionistas e os funcionários públicos. Foi uma escolha consciente e que nasce de um alinhamento ideológico que beneficia os que têm mais em detrimento dos que lutam para sobreviver dignamente.

2 comentários:

jj.amarante disse...

Ainda não percebi o que se está a passar. Então o governo tem autoridade para alterar um contrato que dizem livremente estabelecido entre as partes quanto ao número de horas de trabalho a prestar por uma das partes? Posso então a partir de agora exigir à minha empregada doméstica que trabalhe mais tempo sem lhe pagar mais nada? Porque é que ainda não ouvi ninguém na televisão dizer que esta medida, além de não ser apropriada, não tem pés nem cabeça? Já pus esta pergunta noutros sítios esperando que me esclareçam...

Miguel Silva disse...

Já me perguntei o mesmo. Não consigo sequer começar a perceber como é que se articula esta ideia em corpo de lei, quanto mais indagar a sua legalidade. Mas que o homem falou nisso, falou.