segunda-feira, 12 de abril de 2010

Violento e destrutivo

Pedro Arroja, pessoa para a qual parecem sempre faltar adjectivos adequados, conseguiu a proeza de colocar meia blogosfera a reagir a mais uma das suas inanidades. Num post que é todo ele uma falácia, merecem especial atenção estes dois parágrafos:

"Um homem que seja verdadeiramente um homem, um homem heterossexual, nunca deseja que o mundo morra consigo. Esse homem deixa, em princípio, filhos e aquilo que ele deseja é que, à sua morte, o mundo seja pacífico e próspero, porque esse é o seu desejo para os seus filhos.
É diferente com um homossexual. Depois dele, não há nada. Não faz diferença nenhuma que o mundo morra com ele. Os homossexuais são, por isso, pessoas potencialmente violentas, os destruidores por excelência.
"

O principal aspecto que sobressai nestas frases é a instrumentalização utilitarista da reprodução sexual como factor gerador de interesse pelo futuro do mundo. Arroja não reconhece, ou recusa reconhecer, o homossexual como um ser dotado de capacidade moral. Na realidade, dentro do seu raciocínio, ou da forma tosca como o expõe, nem aos heterossexuais reconhece essa capacidade.

Por um lado, ao ligar o interesse pelo futuro do mundo ao interesse imediato com o futuro dos filhos, apaga-se toda a riquíssima teia de relacionamentos humanos e afectos gerados pela proximidade. Mas quem não deixa filhos pode deixar pais, irmãos, cônjuges, amantes e amigos. O interesse pelo futuro destas pessoas é, obviamente, também o interesse pelo futuro do mundo. Negar ou não reconhecer esta realidade é negar a humanidade destas relações.

Mas ainda que uma pessoa não deixe família ou amigos, é preciso recusar-lhe toda e qualquer capacidade de julgamento moral, de distinção entre o bem e o mal, para não lhe atribuir nenhum interesse pelo futuro do mundo. Para Pedro Arroja, o homossexual e o heterossexual sem filhos são pessoas sem capacidade para se relacionarem com a restante humanidade. O sofrimento alheio não lhes diria nada, uma vez que tudo se resume ao interesse utilitarista com a prole.

Ao negar-se a uma pessoa a capacidade de relacionamento com a humanidade, nega-se a própria humanidade dessa pessoa e, acto contínuo, decreta-se a sua exclusão dessa comunidade. Temos, assim, um mundo de pessoas de primeira e pessoas de segunda - semi-pessoas ou mesmo não-pessoas.

O palavreado de Pedro Arroja faz as delícias de fanáticos e fundamentalistas e encerra em si tudo o que pretende atacar. É violento e destrutivo, preconceituoso, segregacionista e, haja coragem para o afirmar, potencialmente genocida. Os grandes massacres do século XX não começaram de forma muito diferente.

3 comentários:

Helena Araújo disse...

Miguel,
pérolas a porcos.
Como é possível gastares neurónios com um discurso tão absurdo?
Por outro lado, obrigada! Porque esse discurso é suficientemente estúpido para se tornar um refrão, esse sim profundamente destruidor.

Mudando a perspectiva:
Se o ponto fulcral é ter filhos, e querer deixar aos filhos um mundo melhor, olha para a Igreja Católica: há um milénio conduzida e servida por homens sem filhos, a quem não faz diferença que o mundo morra com eles, pessoas portanto potencialmente violentas, destruidoras por excelência...

;-)

Miguel Silva disse...

Já alguém comentou precisamente isso: aquele texto é tão curto na inteligência que nem percebe o problema que coloca à própria Igreja. Aliás, algures nos comentários, o Pedro Arroja chega a dizer que os heterossexuais sem filhos são meio homossexuais. Ora, o que é que isso faria dos padres?

Hesito muito antes de escrever sobre lixo intelectual deste calibre. Sinto que é preciso não fazer o jogo de propaganda que o autor certamente não deve ver com maus olhos. Mas também sinto que não se deve deixar estes discursos de ódio passar em claro. E quis chamar a atenção, sobretudo, para o facto de este ser um discurso que coloca o homossexual num patamar qualificativo diferente do resto da humanidade. Acho que o século XX ensinou que não se pode deixar de olhar para estas idiotices com preocupação.

Helena Araújo disse...

Pois é, o séc.XX deu-nos lições fundamentais.
O problema é que afirmações como as do Arroja são estribilhos fáceis de repetir, e explicar porque é que estão erradas exige um discurso muito mais elaborado. É um trabalho de Síssifo.

Obrigada por te dares a esse trabalho.

No entretanto, pergunto-me se a minha redução ao absurdo teria algum interesse para contrariar a lógica do Arroja. Se ele for anti-clericalista (não sei se é, evito lê-lo) até vai achar que tudo bate certo.

Finalmente: há cada vez mais casais que não conseguem ter filhos. Bem tentam, mas não conseguem. Também para estes a opinião do Arroja é uma violência e um insulto.

E agora com licencinha, vou estudar a definição de sociopata.