quinta-feira, 7 de abril de 2011

O espelho do neo-liberalismo

Nas primeiras páginas da obra Os Americanos, Daniel J. Boorstin descreve como a religião, o social e o político se intersectaram nas primeiras décadas de colonização da Nova Inglaterra e como o sermão dos ministros do puritanismo protestante se tornou o ponto central da comunidade. Um ministro encarregava-se de uma mesma congregação, em princípio, para toda a sua vida. As comunidades eram homogéneas e unidas. A dissensão era punida com a expulsão. Sem estradas e sem verdadeiras alternativas de vida comunal, a mobilidade geográfica não era algo a que o indivíduo comum aspirasse sem desânimo.

Neste cenário de notória ausência de diversidade, os ministros compreenderam a importância acrescida do sermão e desenvolveram um estilo próprio, intelectualmente trabalhado e distintamente americano. Fizeram-no não porque sentissem uma ameaça ao seu lugar na comunidade ou à influência exercida sobre esta, mas antes por uma questão de ética: o fazer bem feito como um mérito em si mesmo.

O actual discurso neo-liberal dominante substituiu a ética pelo utilitarismo. Cada um cuida dos seus interesses, num ambiente de concorrência implacável, e é suposto que a sociedade saia beneficiada com esta atitude. Não se trata, como o exemplo relatado por Boorstin demonstra, de uma caracterização empírica da natureza humana, mas apenas de uma ideologia que tem pretendido mascarar-se de ciência social. O facto de se trocar a ética pelo interesse e pela utilidade não diz muito sobre a natureza humana, se houver algo que assim possa ser chamado, mas diz muito sobre o que nos tem sido imposto como modelo de sociedade e sobre a mentalidade dos seus agentes. Infelizmente, nos próximos anos os portugueses vão sentir na pele, ainda mais, as consequências do dogma neo-liberal.

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