O mundo conheceu, no decorrer dos últimos 18 meses, o candidato Donald Trump. A partir do início de 2017, vai conhecer também o presidente Donald Trump.
A vitória de Trump não é só uma má notícia por tudo o que a sua candidatura prenunciou - o racismo, a xenofobia, o amadorismo, o ressentimento, a violência, o desrespeito pelas regras elementares do civismo, da decência e da vida democrática. Para além de tudo isto, a vitória de Trump traz consigo dois sinais trágicos.
O primeiro deles é a banalização e a impunidade do abuso e da mentira como forma de ação política. Trump mentiu sem vergonha e rompeu com todas as normas de sã convivência política. O New York Times publicou uma lista extensa de todas as pessoas, grupos e locais que foram insultados por Donald Trump. Exercícios semelhantes de fact checking resultaram igualmente em listas profícuas de inverdades amadoras e de mentiras deliberadas. Trump vulgarizou o abuso como discurso político, e fê-lo impunemente. Inicialmente, porque os media o trataram como um caso anedótico. Mais tarde, porque quando foi preciso arrepiar caminho, com o tempo de antena grátis entretanto concedido e a consequente mobilização dos seus apoiantes, as denúncias deixaram de ser relevantes.
O segundo sinal trágico desta noite eleitoral é que, a partir deste momento, pelo mundo inteiro, fica demonstrado que é possível alimentar uma candidatura com o mais baixo que a política tem para oferecer e, ainda assim, ter sucesso. O exemplo da candidatura de Trump não tardará a ser copiado e posto em prática noutros bastiões da democracia. Do mesmo modo que a sua candidatura sedimentou o paradigma do pós-verdade, um triunfo construído a galope dos media alinhados com o radicalismo de direita, a noite de 8 de novembro assinala o início do pós-civismo. A tendência será uma chusma de oportunistas a nivelarem o seu discurso por esta nova fasquia, irremediavelmente baixa.
Nesta campanha, o pudor, a vergonha e os mecanismos de controlo social foram pulverizados. Desenganem-se os inocentes que pensem que estão a salvo desta nova realidade.